Tribunal Arbitral
Proc nº 389/2021
1
SENTENÇA
Tema: Arbitragem necessária - Lei dos Serviços Públicos Essenciais (LSPE) - Consumos
de água - Responsabilidade solidária do senhorio por dívidas do consumidor - prescrição.
Sumário: I - Obrigado regulamentarmente a, no prazo de 60 dias, comunicar à XXXXX a cessação do contrato de arrendamento que permitiu a celebração de contrato para fornecimento de água para consumo doméstico entre a inquilina e a XXXXX, o não cumprimento dessa obrigação de comunicação, constitui o senhorio na obrigação solidária de pagamento das dívidas de consumo de água da sua ex-inquilina II - Comunicadas ao senhorio e autor, as dívidas por consumos de água do seu inquilino cerca de dois anos após o seu vencimento e a cessação do arrendamento, é oponível à XXXXX a prescrição por falta de exercício do direito no prazo de 6 meses.
Decisão: (i) Totalmente procedente a ação; (ii) condenada a XXXXX - XXXXXXXXXX
e XXXXXXXXXX, XX, a reconhecer não lhe serem devidas pelo autor, Valdemar Madeira
Martins, como devedor solidário, as faturas emitidas à consumidora xxxxxxxxx, com datas de 30-11-2020, 31-12-2020, 30-1-2021, 27-2-2021, 31-3- 2021, 30-4-2021 e 31-5-2021, nas importâncias de € 13,12, € 12,79, € 13,74, € 13,50, €12,53, € 13,83, € 14,80, respetivamente, perfazendo um total de € 94,31 (noventa e quatro euros e trinta e um cêntimos) e (iii) prejudicada pela decisão supra a apreciação das demais questões suscitadas.
I RELATÓRIO
Autor ou demandante: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Ré ou demandada: XXXXX - XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, XX, com sede na xxxxxxxxx., - abreviadamente “XXXXX”.
*
Nesta ação arbitral instaurada no âmbito de resolução de conflitos de consumo, vem o autor/consumidor pedir, se bem entendemos a reclamação que lhe deu origem, que seja anulada o que denomina “reversão” contra si, do pedido de pagamento de dívida da sua ex-inquilina por consumos de água entre os meses
de novembro de 2018 e maio de 2019, período em que vigorou um contrato de
arrendamento entre o ora autor e Jéssica Patrícia Afonso da Silva, sendo que esse
arrendamento cessou em 31-5-2019. Alega o autor, que a ora demandada, fundando-se no Regulamento de Abastecimento de Água ao Concelho de Faro e,
mais exatamente, numa disposição de que resulta a responsabilidade solidária do
inquilino/consumidor e do senhorio, no caso de este não informar a XXXXX no prazo de 60 dias contados desde a data da cessação do arrendamento, exige ao autor o
pagamento dos valores de consumos e acréscimos legais faturados e não pagos pela consumidora e inquilina.
Alega o autor que desconhecia as dívidas da inquilina e este Regulamento
até 31-5-2021, data em que o passou a conhecer através de comunicação telefónica
da própria XXXXX e que as dívidas a existirem estão extintas por prescrição.
A contestação da XXXXX
Notificada para audiência de julgamento, veio a demandada apresentar, no
prazo regulamentar, contestação escrita em que, em síntese, alega, no essencial,
que o contador de água se encontrava dentro da casa habitada pela consumidora e inquilina do autor, sendo este a pedir à demandada, em 19-5-2021 e
telefonicamente, para que fosse promovida a retirada do contador do local, pedido que o autor veio ulteriormente a formalizar por escrito (Doc 2, com a contestação); até esta altura, a demandante desconhecia a cessação do contrato de arrendamento; foi um colaborador ou funcionário da demandada, que conhecia o demandante, que o contactou telefonicamente e aconselhou a pedir a remoção do contador; a ordem de interrupção do fornecimento de água no citado local de consumo (Rua Doutor José Filipe Álvares, 2 - 2º Esq, em Faro), com remoção do contador, foi emitida pela Ré em 24-5-2021 (Ordem de Serviço nº 4197) (Docs 4 e 5, com a contestação); à luz do Regulamento de Abastecimento de Água ao concelho de Faro, o senhorio, quando, como era o caso, não seja o titular do contrato de fornecimento de água ao locado, deve, designadamente, comunicar, por escrito, à entidade gestora do serviço de abastecimento de água (no caso, a demandada XXXXX), a cessação do arrendamento; por isso, cessado esse contrato de arrendamento em 31-5-2019, o autor dispunha do período decorrente desde essa data e até 30-7-2019, para efetuar a sobredita comunicação de cessação do arrendamento; assim é que se tornou o autor responsável solidariamente com a ex-inquilina e titular do contrato de fornecimento de água, Jéssica da Silva, por todos os débitos emergentes desse contrato vencidos e não pagos, conforme disposto noartigo 8º-3, do citado Regulamento de Abastecimento de Água ao Concelho de Faro; quanto ao conhecimento da situação devedora da inquilina, alega a demandada que todas as faturas e avisos de pagamento e corte foram enviados para a morada de que é proprietário e era senhorio o autor; razão porque este não podia desconhecer esses avisos e faturas; por outro lado, mesmo após a cessação do contrato de arrendamento citado, houve consumos de água (em julho de 2019 e abril de 2020, verificou-se um consumo de 1 m3 de água); quanto a não ter sido interrompido o consumo (corte de abastecimento por falta de pagamento), tal só não aconteceu porque o contador se encontrava localizado no interior do edifício objeto de abastecimento e, desse modo, não acessível às operações de corte.
A demandada apresentou como meios de prova 7 (sete) documentos e
arrolou duas testemunhas.
Procedeu-se a audiência de julgamento em 24-11-2021, com admissão do
pedido formulado pela demandada de junção aos autos de sete faturas no valor
global de €94,31, considerando que, conforme foi alegado, “(...) que a ser
procedente a exceção da prescrição parcial da dívida objeto do litígio, este valor
será sempre exigível à autora (...)”
Na audiência foi ouvido o autor que, no essencial confirmou o teor da sua
reclamação e do pedido e foram inquiridas as testemunhas XXXXXXXXX
do Vale, Chefe de Setor da Loja da XXXXX, que confirmou ter havido diversas
tentativas para retirar o contador de água mas que sempre se revelaram infrutíferas por impossibilidade de acesso ao interior do local de consumo onde tal contador estava instalado e XXXXXX, Diretor Financeiro da demandada que, confirmando a impossibilidade técnica do corte de abastecimento sem que tal se tornasse extensivo a todo o edifício (e, logo, a frações de outros consumidores).
A audiência de julgamento foi suspensa com vista a pronúncia do autor, por
escrito, no prazo de 5 dias relativamente aos documentos juntos pela parte
contrária e foi ainda concedido um prazo excecional de 10 dias às partes para
apresentação de alegações finais escritas, de facto e de direito.
Pronunciando-se sobre os documentos e em alegações, veio o autor, em
síntese, reafirmar a prescrição dos serviços prestados, mais concretamente que os
serviços faturados foram prestados e apresentados a pagamento para além do prazo de 6 meses após a sua prestação (artigo 10º, da Lei nº 23/96); por outro lado, o valor das faturas perfaz €69,81 e não €94,31 e durante os respetivos períodos não ocorreu qualquer consumo de água (leituras efetuadas pela XXXXX por telemetria); não considera constituir justificação válida para a não notificação do autor/senhorio a circunstância de os documentos se encontrarem no Arquivo em Palmela; por outro lado, a ser exigível qualquer valor ao demandante, este será, no limite, o de €20,94 por ser este o correspondente ao serviço de saneamento espelhado nas últimas seis faturas, isto porque o artigo 8º-2, do citado Regulamento, o âmbito da solidariedade é o dos serviços de drenagem de águas residuais.
Saneamento do processo
Este Tribunal arbitral é competente, considerando a vontade manifestada
pala autora e o objeto do litígio ser relativo a prestação de serviço público essencial.
O processo é assim o próprio.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Importa assentar que o objeto do litígio foi, entretanto, reduzido ao valor
de €94,31, conforme declaração da autora, reafirmada nas alegações escritas que
apresentou“(...) importa evidenciar que as faturas e notas de débito objeto do litígio são apenas as referentes ao período de novembro de 2020 a maio de 2021, no valor de € 94,31 (...)”.
Passar-se-á então ao conhecimento do mérito.
II FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) Entre XXXXXXXXXXXX e a demandada XXXXX, foi celebrado,
em junho de 2017, um contrato para fornecimento de água à então habitação
da primeira sita na Rua XXXXXXXXXXXXXXXX, em Faro;
b) Esta habitação tinha sido dada de arrendamento pelo ora autor a XXXXXXXXXX;
c) A partir de maio de 2018, aquela inquilina do autor, deixou o local arrendado
e não mais lhe pagou as rendas mensais devidas, desconhecendo o autor o
seu paradeiro;
d) Em 19 de maio de 2021 e pela primeira vez, a demandada contactou o autor
a fim de que este promovesse a retirada ou remoção do contador, instalado
no interior daquela residência e tomou conhecimento da emissão e
devolução sem pagamento das faturas emitidas pela XXXXX relativas aos
consumos de água e serviços conexos;
e) Nesse mesmo dia (19-5-2021) o autor, como proprietário da referida
habitação, mandou retirar o sobredito contador;
f) O que veio a acontecer em 24-5-2021;
g) O autor está a ser interpelado pela demandada para efetuar o pagamento
das importâncias objeto das faturas enviadas à consumidora XXXXXXXXXXXX, emitidas em 30-11-2020,31-12-2020, 30-1-2021, 27-2-2021, 31-
3-2021, 30-4-2021 e 31-5-2021, nas importâncias de € 13,12, € 12,79, € 13,74, €
13,50, € 12,53, € 13,83, € 14,80, respetivamente, perfazendo um total de € 94,31
(noventa e quatro euros e trinta e um cêntimos).
h) Em todas essas faturas o consumo de água indicado é de 0 (zero) metros
cúbicos de água e
i) ... reportam-se essas faturas a consumos efetuados entre 20-10-2020 e 24-5-
2021.
j) O contrato de arrendamento mencionado supra em b), cessou em 31-5-2019;
k) O autor tomou conhecimento das dívidas da sua inquilina XXXXXXXXXXXXXXXX à
ora demandada em maio de 2021.
l) A reclamação que dá origem a estes autos foi apresentada pelo autor no
CIMAAL em 8 de julho de 2021
Factos não provados
Não há outros factos relevantes, provados ou não provados.
Motivação
A convicção do Tribunal relativamente ao sobredito quadro factual resultou,
essencialmente, da análise crítica da posição das partes no processo, em
conjugação com os depoimentos testemunhais citados e os documentos
incorporados nos autos, tudo analisado criticamente pelo Tribunal.
II – FUNDAMENTAÇÃO (cont)
O Direito
A questão fundamental que está colocada é a de saber se ao autor, como senhorio
de um contrato de arrendamento celebrado com uma consumidora dos serviços de
água e saneamento fornecidos pela demandada, será ou não responsável (e em que
termos) pelo pagamento de diversas faturas emitidas e não pagas.
O fundamento legal invocado pela ora demandada XXXXX para a exigência de
pagamento ao autor de faturas não pagas pela consumidora Jéssica, resulta do
disposto no Regulamentos de Abastecimento de Água do Concelho de XXXXX e de Saneamento de Águas Residuais do Concelho de Faro, diplomas publicados no
Diário da República - XXXXXXXXXXXXXXXXXXX.
Nesses diplomas se dispõe designadamente e nas partes que ora interessa analisar, que são deveres dos proprietários de edificações (...), quando não sejam os titulares dos contratos (de drenagem de águas residuais e/ou de fornecimento de água) comunicar, por escrito, à entidade gestora (no caso, a XXXXX), (...) a cessação do arrendamento ou situações equivalentes - Cfr artigo 8º-2/a), dos citados Regulamentos.
E, relativamente ao incumprimento desse dever dos proprietários/senhorios,
estabeleceu-se, para esse efeito, como consequência sancionatória da omissão a
responsabilidade solidária do proprietário pelos débitos contratuais ou
regulamentares relativos ao prédio ou domicílio em questão - Cfr artigo 8º/3, dos
citados Regulamentos.
Ou seja: o proprietário que omita o dever de comunicação da cessação do
arrendamento responde pelas dívidas do titular do contrato (de drenagem e de
fornecimento de água) e responde na exata medida e em paralelo com o citado
titular, de tal modo que o credor pode exigir o seu imediato e total pagamento ao
proprietário sem o fazer prévia ou simultaneamente a quem é, no sentido
apontado, o “devedor principal” - Cfr artigo 518º e ss., , do Código Civil.
O regime das obrigações solidárias está previsto nos artigos 512º e segs., do Código Civil (CC) e só existe quando resulte da Lei (como é o caso) ou da vontade das partes num contrato - artigo 513º, CC.
Todavia, importa apurar se a dívida solidária acionada, além de existir, está vencida e é exigível, sendo que por qualquer dos devedores solidários pode se ser oposta ao credor a prescrição - Cfr artigos 300º e segs, do CC.
Note-se que a solidariedade passiva (que é a que está em causa nos autos) reforça
ou deve reforçar a consistência do crédito pela forte garantia para o credor (que vê o seu direito assegurado à custa de outros patrimónios que não apenas de um só), mas pode, por outro lado, agravar de forma intolerável, se não mesmo abusiva, a situação do devedor adimplente sendo por isso que só se justifica a sua imposição quando a Lei a considere necessária ou, naturalmente, quando as partes a convencionem ou aceitem.
Fazendo uma maior aproximação ao caso dos autos, trata-se aqui de serviço
público essencial em função do que haverá que trazer à colação a Lei 23/96 [Lei
dos Serviços Públicos Essenciais ou “LSPE”], com a redação da Lei 12/2008 [que
a republica], alterada pela Lei 24/2008, que criou no ordenamento jurídico
alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos
essenciais, sendo o abastecimento de água um desses serviços [cfr artigo 1º].
Ora o direito ao recebimento do preço do serviço público essencial prestado
prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação – artigo 10º-1, da LSPE.
Trata-se de prazo de prescrição extintiva, sujeito subsdidiariamente às regras
gerais do Código Civil [arts 300º e ss.] e conta-se desde a data da prestação
do serviço e só pode ser interrompido pela citação ou notificação judicial,
nos termos do artigo 323º, do Código Civil, sendo que o prazo para a
propositura da ação judicial ou injunção é sempre, e inderrogavelmente, de 6
meses [artigo 10º, da LSPE, alterado pela Lei 24/2008].
Pois bem, não está alegado que a XXXXX tenha feito operar a suspensão da
prescrição pelos meios legais mencionados relativamente à consumidora ou
tenha instaurado contra essa devedora inadimplente o respetivo procedimento
judicial, sendo certo que as dívidas a que aludem as faturas em causa, são
relativas a consumos de água entre 20-10-2020 e 24-5-2021 (são estas as faturas
relativamente às quais subsiste o litígio) e não estão invocadas e demonstradas
eventuais causas suspensivas da prescrição relativamente ao demandante.
Ora a questão que então se coloca é a de saber se a prescrição alegada pelo
demandante é oponível à demandada, ou seja, se pedido o pagamento à
consumidora à data em que o autor foi informado da existência dessas dívidas (24-5-2021), a consumidora poderia opor a prescrição das mesmas e, previamente,
analisar um pouco mais de perto a ratio da solidariedade prevista nos
Regulamentos citados, ou seja, qual o fundamento (ratio legis), para o
estabelecimento da responsabilidade do proprietário do imóvel em regime de
solidariedade com o contraente do serviço público essencial.
Parece evidente que o que pretendeu o legislador foi abreviar, através da notícia do dono do local do consumo, que a relação locatícia tinha terminado e,
consequentemente, o proprietário tinha pleno acesso ao local para, por exemplo,
permitir as operações de corte de fornecimento de água por falta de pagamento,
para além do imediato acionamento das dívidas de consumos que então existissem, sujeitas como estão e estavam, no caso, a um regime de prazo de prescrição curto (6 meses após a ocorrência dos consumos).
A esta luz é que resulta aceitável responsabilizar o proprietário/senhorio pelo
prejuízo que possa ser traduzido na incobrabilidade da dívida pela execução apenas do património da consumidor.
Ou seja e mais exatamente: pelo simples facto de se concluir que o senhorio/proprietário não deu conhecimento à prestadora do serviço de
abastecimento de água da cessação do contrato de arrendamento que permitira a
contratação desse serviço público com a locatária, constitui-se, ipso facto, devedor solidário das dívidas.
Mas, questiona-se, todas as dívidas existentes, vencidas e devidas pela
consumidora?
Afigura-se que não, mas tão somente e em princípio, daquelas que se constituíram após o decurso do prazo imposto ao proprietário/senhorio para comunicar a cessação do arrendamento.
Concretamente, no caso dos autos, a responsabilidade do locador/senhorio ou
proprietário estaria limitada às dívidas por consumos de água com pagamento
vencido e exigível no momento em que toma conhecimento e é interpelado, pela
primeira vez, para efetuar o pagamento.
Ora à data (24-5-2021), não estando acionadas as dívidas da consumidora nem
sequer operado o mecanismo de interrupção de fornecimento por falta de
pagamento e desconhecendo o autor, sem ter obrigação de conhecer, a existência
de dívidas da sua ex-inquilina à demandada emergentes de consumos de água
(poderia, naturalmente, presumir essa situação mas não de forma a que tal
presunção fosse jurídica e legalmente relevante), será de considerar, in casu, que o direito da consumidora invocar a prescrição nessa altura (24-5-2021), é direito que assiste agora, quando confrontado com a existência, qualificação e quantificação dessas dívidas, ao demandante, na qualidade de devedor solidário - Cfr., v. g., artigo 514º, do CC.
En passant, dir-se-á que a alegação da demandada de que o autor não podia
desconhecer as dívidas por consumos de água da inquilina porque na caixa de
correio a que tinha acesso estavam as faturas e outra correspondência, não colhe
notoriamente na medida em que, só com violação do segredo postal, poderia o
autor tomar conhecimento do teor de correspondência que não lhe era endereçada.
Continuando: naturalmente que poderia ocorrer uma situação de ausência de
culpa do credor (a XXXXX) pela circunstância de só em maio de 2021 interpelar o
autor.
Tal, porém não é o caso porquanto não poderia colher a invocação de alegadas
dificuldades de ordem burocrática e interna da demandada para localizar o contrato, escrito, de arrendamento que permitiu a celebração com a consumidora
do contrato para prestação do serviço de abastecimento de água. Ou seja: bastaria
o acesso a esse contrato para ser possível, como acabou por ser em maio de 2021,
o acesso ao local para as operações de retirada ou remoção do contador do local de consumo.
Ou seja: foi a omissão do dever de comunicação da demandada ao autor, que deu
causa ao “inflacionar” dos valores faturados e à interrupção tardia dos fornecimentos de água.
Na verdade, ainda que o autor devesse exercer o dever de comunicação da cessação do arrendamento até 31-7-2019 (termo final do prazo de 60 dias a que alude o Regulamento), não se compreende que só cerca de dois anos após esse termo é que é o proprietário e senhorio interpelado quanto ao conhecimento do valor de
dívidas por consumos de água da sua ex-inquilina Jéssica e da qualidade de alegado devedor solidário dessas dívidas.
Concluindo: poderá afirmar-se que se os consumos continuaram a verificar-se
entre 20-10-2020 e 24-5-2021, foram faturados à consumidora Jéssica e são por esta devidos, não pode por tais dívidas ser responsável solidário o autor porquanto foi por culpa da demandada que não ocorreu, como deveria ter sido, a interrupção do fornecimento do abastecimento, sendo que, ainda que o direito de crédito sobre o autor existisse na esfera jurídica da demandada, o exercício de tal direito nas sobreditas circunstância de tempo e modo, reverteriam num exercício abusivo e, como tal, integrado na figura do abuso do direito e, onsequentemente, ilegítimo - Cfr artigo 334º, do Código Civil.
III DECISÃO
Pelo exposto:
a) Julga-se totalmente procedente a ação e, em consequência, condena-se
a demandada XXXXX - XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, XX, a reconhecer
não lhe serem devidas pelo autor, Valdemar Madeira Martins, como
devedor solidário, as faturas emitidas à consumidora Jéssica Patrícia
Afonso da Silva, com datas de 30-11-2020, 31-12-2020, 30-1-2021, 27-2-
2021, 31-3-2021, 30-4-2021 e 31-5-2021, nas importâncias de € 13,12, € 12,79,
€ 13,74, € 13,50, € 12,53, € 13,83, € 14,80, respetivamente, perfazendo um
total de € 94,31 (noventa e quatro euros e trinta e um cêntimos) e
b) Julga-se prejudicada pela decisão supra a apreciação das demais
questões suscitadas.
- Não há lugar a condenação em custas por não estar regulamentarmente prevista a tributação.
• Valor da ação: o indicado pelo autor, ou seja, € 500,00 (quinhentos euros).
• Notifique-se esta decisão às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.
Faro, 16-1-2022
O Juiz-árbitro,
José A G Poças Falcão